quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Xô falar... "tudo, tudo, tudo vai tudo é fase" Racionais MC's


Me perguntam sempre por que eu não vivo nas listas das paradas literárias que andam rodando a internet, me perguntam porque eu não coloquei meu trabalho na rua e fazem comparações bizarras, outras pessoas ainda são bem sarcásticos comparando vendas eventos que são chamadas como se esfregasse na minha cara uma competência que eu não possuo, porque sou rustica. Sim rustica, essa é a palavra, como se seu fosse mesmo me preocupar com o tom e o falso tempero que da um cheiro, mas ao colocar na boca é só química, não chega nem a ser a essência. Estou aprendendo que sempre vai ter espaço pra todos, todo mundo tem o seu diferencial, existem lugares que amo ir e que não é legal pra alguns, assim como tem espaços que evito e pra outro tanto de gente faz muito bem.


Lancei sagrado sopro em 2014 e 2015 me prontifiquei a ir a alguns lugares lança-lo, lugares que escolhi a dedo sim por fazer parte da minha história, eu estava experimentando uma nova fase poética minha, sai um pouco da minha zona de conforto, a gente que escreve no fundo no fundo sabemos o que agrada, o que é bem aceito, o que não gostam, e eu fiz sim um amontoado de poesias que eu gostei sem me preocupar muito com a critica literária preta periférica que se existe não fortalece, ou seja, estava me experimentando.  E foi ai que abri um abismo, na verdade foi uma escolha a de não usar de uma simpatia que não tenho pra ter que ficar circulando em lugares que não fazem questão e não dão a mínima para a literatura, não viajei porque as condições financeiras não estavam pra isso e sabemos que ser poeta é fazer um auto investimento quando se precisa viajar. Desbravar é o que andei e ando fazendo, estou desbravando o melhor de mim, e o melhor de mim não compete de fato, é rustico e poucas ideias.
Estou pensando, e quem não me conhece não é culpa minha, meu livro está aí divulgado, meus escritos também, eu não sou de emplacar nas polemicas, raramente gosto de me manifestar, quem me conhece e troca comigo sabe o que eu penso, como costumo agir, e isso não é se achar, é se preservar porque esse meio é cruel com a gente, se criamos destaque somo aparecidas, vendidas como tenho acompanhado um bando gente escrota atacando mulheres pretas que estão se sobressaindo por ter um trabalho sólido, se preferimos outro caminho sem muito alarde, sem muito flash somos antipáticas e não merecemos nada porque a gente se acha. Eu tenho distribuído o melhor de mim em conta gotas, eu estou feliz com meu trabalho, reconhecido ou não, fazendo barulho ou silencio, eu nunca tive pretensão nem de ser escritora e se hoje sou é porque amo ler e escrever e amo dizer que sou pois é um lugar que afirmam o tempo todo que a gente não ocupa, é um lugar que dizem os mais velhos que fazemos tentativas literárias, eu me desafio todo dia a escrever, e me desafio a sair da minha zona de conforto, eu me desafio a fazer a diferença onde moro, com quem convivo, pra minha filha, pra minha família,  minha referencia é minha avó sempre foi e sempre vai ser ela que é anônima nesse brasil como tantas mulheres pretas são, assim como tantas mulheres que são referencias minhas que são destaques ganhadoras de prêmios, romancistas, mulheres que faço questão de reler o tempo todo porque tudo isso elas ja vivenciaram e de certa forma  os livros delas me dão novos rumos.



Esse textinho saiu porque completou-se dois anos de lançamento do Sagrado Sopro, um livro importantíssimo na minha vida, com ele quebrei varias amarras e me sinto pronta pra novos desafios. Agradeço imensamente tod@ que fizeram parte desse ciclo, se inicia outro com certeza e quero que venham comigo só quem me fortalece . Axé

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Vem cá, vamos conversar


Ja parou pra pensar
Quanto suas atitudes podem interferir na vida de uma pessoa?
Que 6,51% do seu ego fálico
E mais 4,86% da sua falação superior 
Se transforma facilmente num câncer?
E que por sua molecagem máscula a sua presa passa por sérios riscos de vida?
Já parou pra avaliar porque tantas mulheres morrem?
Porque tantas mulheres tem pressão alta, câncer, mioma, esquizofrenia,
Entre tantas outras doenças que atingem 70% mais mulheres pretas, pobres, nordestinas...
Perfil fetiche pra muitos
Perfil sofrimento pra muitas
Já lavou seu pinto hoje e pensou que pra ele estar aí ativo
Uma mulher te pariu e provavelmente se anulou a vida toda
Já se viu só? 
Sem ela? Sem a bela dona que te pariu? Já se viu?
Não faremos tribunais em praças publicas, ainda
Não terá julgamento
Mas no momento oportuno a roda gira
Se for um ser pensante, reflita! 
E para presepadas continuas 
só desejo que na sua vida
Apareça uma Maria corta pica!



quinta-feira, 20 de outubro de 2016

*Dia da poeta*

Só por isso fiz um poema curto.


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Não darei formulas às minhas poesias
Ela é meu lugar de liberdade plena
Mesmo estando na algema
A poesia transcende 
Transgride,
Não farei formulas pra poema estático 
Estético 
Letra Vazia que não sente, não vive só grita
 Sou hélice 
E posso cortar num giro sutil e certeiro 
Sendo assim minha poesia, mergulho na imensidão 
Não darei formulas às minhas poesias
Elas serão  relâmpagos 
Passarão pela peneira e contudo continuará sendo livre.
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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Síndrome da fada madrinha - Divas X Princesas

Desde muito antes de nascer é de praxe as referências que fazem aos contos de fadas, vai nascer uma princesa ou um príncipe? Quem é mãe provavelmente já ouviu essa frase na gestação, princesas de todo tipo têm sido criadas para cada vez mais abranger um publico maior, isso não quer dizer que a real intenção do modelo princesa não está sendo vendido, ao alimentar esse “papel” pra uma filha ou filho é também alimentar que sim precisamos de um homem, de um homem branco, de um homem que te trate como princesa, e pra você ser princesa você precisa: Ser meiga, carinhosa, frágil, ter cabelos bonitos e sedosos (lisos), unhas feitas, dentes perfeitos, pele macia, depilação em dia, roupas maravilhosamente caras e bonitas, pés de seda, mãos de seda, cintura de pilão, bunda empinada, uma quase bela, recatada e do lar.

Uau, muitas coisas é preciso pra ser princesa e como faremos se crescemos ouvindo que não nascemos pra ser essa dita cuja imposta nesse mundo? Precisamos de uma fada madrinha, e obviamente essa terá que fazer muitos milagres já que nós somos selvagens, uma fada madrinha tem que vir da realeza e com sua varinha de condão terá que nos ensinar tudo que não aprendemos desde pequenas o bom comportamento, o sorriso, a forma de andar, sentar e se vestir, como usar os talheres, como segurar uma taça de champanhe, a andar de salto alto, enfim, essa fada madrinha terá muito trabalho sendo assim, ela será tida por muitas de nós como “a salvadora das pobres pretas relentas das periferias”.
As mulheres negras das periferias têm cada vez mais tomado o protagonismo em diversas áreas, nos fortalecendo e yrompendo padrões impostos, porém, ainda convivemos com algumas crises, aliais diversas crises, que tem ficado cada vez mais expostas, parece que tudo que fazemos precisamos sempre estar num lugar de disputa “faço e sou maravilhosa e as inimigas que morram de recalque”, que inimigas? Provavelmente aquela nossa vizinha, colega de trabalho, que é tão fodida quando você, daí entra a síndrome da diva, e quem da mais pra ser mais diva das divas das divônicas? Todas nós queremos espaços ocupar e permanecer neles, isto não significa que tenhamos que fazer o papel do opressor. Criou-se uma divisória de quem merece os novos rótulos pra andar comigo, e quem não faz parte do circuito desses rótulos porque também não alcançam o padrão exigido? Percebam, para tudo há um padrão, pra ser princesa e pra ser diva, quebrar um padrão e criar outro exclui tanto quanto.

Assim como o padrão princesa seleciona o padrão diva também, quem é mais adestrável? Tem uns formatos antigos que são usados desde a época que existia a escravidão, o de enxergar igual seu “aceito” em alguns espaços e sentir inveja ou mais conhecido como recalque, disso ser motivação do querer ser igual ou mais, de também poder andar com os nobres, sentar nas mesas, tomar das suas bebidas, e desde então existem fadas madrinhas pra proporcionar tudo o que é desejado, e aos poucos vão cortando as assas, repaginando a ponto de se perder a identidade, de nos jogar um contra o outro, de calcular toda a boa ação como necessária e primordial para que haja mudanças num lugar que você já é a referencia de mudança querendo assim tomar o seu, o meu o nosso protagonismo duramente conquistado fazendo com que nós desacreditamos do nosso potencial em conseguir coisas sem retoque de magicas ou o famoso empurrãozinho para a glória nos mantendo no mesmo lugar tendo exemplo à princesa Izabel que precisou nos libertar porque os negros escravizados não lutavam pelo o fim da escravidão.

Enxergo que as divas são mulheres independentes que não aceitam mais esse tipo de imposição, que quer ser rainha não mais princesa, quer ser a dona da porra toda, mas que infelizmente também a mantém no papel de competição com iguais, estava vendo uma novela que fala de escravidão esses dias,  a construção das personagens mulheres negras ilustra bem como ao longo do tempo somos tidas como rivais, uma das personagens é a negra mocinha que foi criada na a casa grande quase como se fosse da família e ela sonha com seu príncipe, em casar com ele (homem branco óbvio), dele ser o seu libertador, a outra personagem (a rival) preta, era uma mulher maquiavélica, que também sonhava, mas ela queria o poder, e nessa busca se envolveu com o patrão pra poder parecer que ela podia mais que todo mundo da senzala, ela era tão ambiciosa que era X-9, entregava todo mundo e principalmente a mocinha inofensiva, ela sempre disputava espaço, mas a outra também disputava sutilmente, sempre mostrando que sim era melhor de sentimentos qualidades, ah, já ia me esquecendo, as duas tinham fadas madrinhas, a da mocinha era a que influenciava ela a ser quase sinhá, a se arrumar como as nobres, a escrever, a se comportar diante da sociedade fazendo a acreditar que poderia ser quase uma branca, e a outra a vilã tinha a fada  que influenciava ela a ter ódio de seus iguais principalmente da mocinha fazendo-a conseguir as coisas prejudicando os pretos como ela, as duas por ter fidelidade com as fadas madrinhas assumiam culpas que não eram delas, iam para o tronco, sofriam e voltava cada qual a sua maneira ambas com ódio e vontade de que o príncipe lhe tirasse dali ou de se envolver cada vez mais com o poderoso pra assim conseguir sua alforria.

É exatamente assim que vejo nós mulheres negras nos comportando diante de varias situações, e fico pensando que se ambas conseguem tudo que desejam com as tais madrinhas seriam livres?
Algumas perguntas ficam latejando na cabeça, que até confunde as ideias, mas por que exatamente eu vou procurar uma ou um colonizador para legitimar as minhas ações?
Mais uma vez somos colocadas em cheque, temos ou não condições pra conquistar caminhos sem fadas madrinhas por trás arquitetando coisas que escorregam nas nossas vistas, escorregam tanto que não percebemos o perigo que é nos tornar novamente massa de manobra. Estamos sendo selecionadas como se estivéssemos no mercado de escravos. Nosso momento politico é um dos piores e na surdina que costumam nos atacar, nas caladas da noite, quando estamos distraídas e com tantas coisas sendo feitas pra poder coexistir, podemos ser lesadas, apunhaladas, alguns interesses políticos e econômicos tem sempre por trás de boas ações repentinas vindas de cima pra baixo, o golpe dado na presidenta Dilma é uma lição, não se alie com inimigos em hipótese alguma.



Eu reforço para as crianças próximas e também para minha filha esse papel de realeza que nos pertence, tenho cuidado de não afirmar esse lugar de competição da princesa com a bruxa, da princesa com a irmã com a mãe com quem for, isto é um projeto de desarticulação criado para nós. Vivemos um momento crucial que estamos “usufruindo” de conquistas de lutas travadas à anos, onde estamos metendo o pé na porta e sendo protagonistas de fato das nossas histórias, trazer fadas madrinhas pra nos ajudar a ser, existir  e dar aval para o que fazemos é dar um tiro no pé consagrando mais uma vez colonizadores como heróis das nossas histórias.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O batom vermelho e o empoderamento

            Esse texto foi produzido ano passado logo após o dia 25 de julho (dia internacional da mulher negra, latino americana e caribenha), é um dia importante para nós mulheres negras, dia conquistado a partir de muita luta, porém, fiquei muito incomodada com algumas observações, vivenciei alguns debates, e a palavra do momento era EMPODERAR(acredito que ainda seja), eu ando um tanto cansada de terminologias criadas pra dizer que estamos isso, que estamos aquilo, vivemos essa fase do "poder" sem poder muita coisa, podendo ainda assim estar limitada dentro da caixinha do "se não for DIVA" nãos serve, enfim, são vários questionamentos que surgem, e transformo esse espaço criado recentemente como um espaço de troca, aprendizado.
Só ontem tive algumas informações que me preocuparam por perceber o olhar de "produto" que se tem sobre nós seja em qualquer campo e perder essa "bolinha da vez" agora significa prejuízo.        
Estamos de olho. Será?
Boas Reflexões para nós, Axé!
                                                    

Estamos num momento interessante em que muito se tem dito sobre empoderamento feminino negro. Há pouco mais de nove anos atrás, referências negras eram uma busca constante nas linguagens artísticas e na academia, mulheres negras que romperam o silêncio e fizeram história. Esta foi uma das pesquisas mais felizes que fiz porque pra quem está começando a trilhar um caminho, é comum se sentir só, com o fardo de uma missão. Eu não tinha muita pretensão em cima disso (a não ser dividir um pouco com as minhas próximas) e foi onde achei - juntamente com outras companheiras - de formar um coletivo de mulheres negras e periféricas.
Sim! Negras e periféricas. Entendendo que a mulher negra nem sempre é oriunda da periferia e que a mulher periférica nem sempre é negra. Foram muitos debates sobre essa questão, sempre no intuito de agregar e fortalecer essas mulheres. Foram quatro anos de coletivo, aprendendo muito com mulheres negras de periferia por onde passamos. Nunca achei que eu tinha que falar de feminismo de uma forma contundente: chegar nos espaços dessas mulheres - que é também o meu espaço - querendo empurrar cartilha feminista goela abaixo. Pra mim é sempre mais sábio ouvir do que falar. Eu ouvia até as coisas que a meu ver eram machistas, mas aí a gente trocava uma ideia de igual pra igual sem termos acadêmicos, sem a bíblia de Simone de Beauvoir e de nenhuma outra intelectual branca. Muitas vezes, vamos todas montadas no discurso e acabamos subestimando as nossas mães, tias, vizinhas, porque, na nossa ótica, estas são "alienadas" por passarem mais tempo na frente da tv do que lendo livros.
Este último 25 de julho foi florido com várias ações pela cidade sobre o tema. Marchas, debates, palestras, etc... Muitos eventos cujas produtoras e organizadoras são protagonistas. Lembrei que em 2009 muitas pessoas faziam cara de espanto quando ouvia falar do dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Enfim, ouvi muito o mês inteiro, de diversas formas, a palavra "empoderamento" e fiquei pensando seriamente no que um debate, um sarau, uma exposição ou uma marcha empoderava as mulheres negras das periferias: as donas de casa, diaristas, merendeiras, autônomas e de várias outras profissões. O dia 25 pra essas mulheres foi só mais um dia. Por onde circulei poucos as vi, porém, chegando na minha quebrada, estavam lá. Daí eu continuei me perguntando sobre empoderamento negro. Do que adianta falar de Zumbi pra Palmares?   Falar para mulheres já “entendidas” sobre racismo, genocídio, leis, estética é empoderar? Ou estou alimentando meu ego de mulher negra que teve e tem acesso a muitas coisas a partir da luta, persistência de mulheres negras periféricas que me abriram esse caminho?   Passar o batom mais vermelho pra falar em público e aparecer nele, pra mim não é empoderamento, afinal, vivemos e alimentamos um lugar de disputa, é um fato. E isso não é empoderar, é alimentar vaidade. Orgulho negro feminino passa por diversas questões e uma delas é a estética, falamos muito de autoestima, valorização de cabelos, traços e adornos, mas quanto disso é usado contra nós mesmo nessa onda de recalque e lacração que vivemos?
E as mulheres reais negras de periferia que continuam na lida do dia a dia, morrendo de doenças que estouram as decepções da vida, estouram em forma de câncer, aneurismas, varizes, esquizofrenia, mioma, etc, etc, etc... Isso quando não morremos como a Claudia, arrastadas pela polícia, pela mão de um homem violento, por uso de drogas e tantas outras formas de extermínio que foram criadas sob medida para nós mulheres pretas.
Precisamos pensar e ter união quando se trata dos descasos da saúde pública, que é por esta aliada forte desse plano de extermínio, que passamos quando adoecemos ou vamos parir. Nós precisamos lacrar nas nossas quebradas. Usar black power, dreads, tranças, não é sinônimo de que está tudo certo. É legítimo ressaltar a estética, mas é preciso saber responder quando somos questionas por mulheres e crianças pretas por que fizemos “isso” no cabelo. Será que vamos dizer somente que é pra sambar na cara da “dazinimiga”? Ou vamos ser cuidadosas e didáticas pra empoderar nossas próximas?
Meu lugar, meus posicionamentos não podem ser minha zona de conforto, dialogar fora dos espaços de conveniência sempre será necessário e senão não temos porque pontuar mais nada e todo o discurso de empoderar as mulheres pretas só viram mais um discurso. O nosso batom mais vermelho não pode ser usado pra disputa porque lindas, maravilhosas, rainhas, deusas e todos os outros nomes que gostamos de usar, nós já descobrimos que somos e essa descoberta precisa chegar a todas nós. A informação precisa chegar a todas nós, chegar em quem não pode pagar por um curso de empoderamento, um curso de estética negra, um curso de qualquer coisa que seja de importância para a emancipação de nós mulheres negras. Na onda do comercio seremos mais usadas na vitrine da dita cuja “Elite preta”? De afro conveniência estamos cheias até a tampa, e cada dia que surge um rótulo novo pra ilustrar nós mulheres pretas me da uma agonia sem fim, penso que o que menos precisamos é ser peça de vitrine e sim autenticas e multiplicadoras.

Raquel Almeida

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Zarina¹


Ela era por si só uma joia, pura e bruta, entrou no ônibus, deixando tudo da bolsa cair, não, ninguém a empurrou, era um tanto desajeitada, uma senhora ajudou pegar tudo que havia caído no chão do ônibus, ela de fone, num risinho sarcástico como quem diz “eu não aprendo”. No fone, soava alto e gritante um som que quase todo mundo conseguia ouvir de tão alto, estava ouvindo H.Aço - DMN e enquanto catava seus pertences do chão, cantarolava o refrão e todos olhavam, uns riam, outros achavam que era apenas mais uma doida que entrara no buzão. Sentou-se ao meu lado, de óculos escuros quase não da pra saber o que e pra onde as pessoas olham mais eu consegui ver, ela olhando pela janela num olhar vazio, perdido, tentando encontrar numa paisagem de fora algo que fosse preencher o vazio dos seus olhos.
Ela estava inquieta, balançava os pés, num ritmo de acelerado, se tivesse assas voaria dali, aquele ônibus estava andando muito devagar e  tinha pressa, e a pressa dela me deixou também agoniada, ela pegava nos cabelos, enrolava, cheirava, tocava neles como se estivesse lustrando algo fino e valioso, como disse, era uma joia e se tratava como uma não as joias convencionais, era mais, muito mais, tinha uma tonalidade que lembrava o bronze, eu me via nela. Aparentemente era mulher jovem, num jeitão meio descolado e casual, dava pra sacar pelo crachá que havia caído da bolsa que tinha um emprego nem tão ruim comparando com os que são destinados pra pessoas como nós, conforme as musicas da sua playlist mudavam ela cantava e a voz dela era hipnoticamente bela, não era essas vozes brancas brandas enjoadas, era uma voz alta, firme, expressiva, assim como ela, e ela engatou numa musica de Erykah Badu que identifiquei mais pelo “huhumhum” do que pelo inglês esquisito que tentava, ela não se achava interessante para o mundo, apesar do colorido da sua pele do colorido dos seus cabelos, tudo lhe era cinza e sem graça, nunca conseguiu se encaixar na vida, sempre cavando com as unhas seus espaços em todas as áreas e por isso a vida lhe cansava, ela sempre quis mais, e pode ser que todo o universo com suas astrologias tenha contribuído pra que ela fosse uma pessoa que queria sim holofotes. Mais ela era muito orgulhosa pra admitir, tinha medo de ser mal interpretada.
Era um furacão, pronta pra entra em ebulição e afetar tudo e todos, isso era nítido pelo balançar apressado dos seus pés, e sentia um aperto, um vazio, um querer pra além do entendimento de qualquer um, não tinha muitos amigos e o pouco que tinha achava joia confusa demais pra dar importância pra cada palavra que saia da sua boca, ninguém se dava conta que cada palavra era uma escada pra desvendar o paraíso que ela propunha. O ônibus parou num ponto que tinha uma arvore alta, cheia de galhos que pareciam estar de braços abertos dançando com o soprar do vento, ela ficou olhando, e balançava o corpo no mesmo tempo do balançar dos galhos, queria voar, queria soar, queria ser. Eu a olhava e olhava a arvore, ambas altas, tonalidade bronze e cabelos coloridos, foi uma mostra de sensibilidade que essa moça tinha mas aparentava não ter, quando o ônibus deu partida continuou olhando pra arvore num tom de despedida, e riu, novamente o riso sarcástico de como quem se encontrou.
Coincidentemente demos sinal pra descer no mesmo ponto ela tirou o óculos escuros, esfregou os olhos que pareciam estar marejados olhou pra mim e foi assim que ela me confessou tudo a seu respeito, tudo que eu tinha sentido e que ela não havia dito, falou coisas com as mãos, os pés, com o corpo todo, mas a fala dos olhos foi mais precisa nunca vou esquecer de ouvir os olhos de alguém, aprendi com ela, aprendi com a joia.

O ônibus parou, desci ela desceu, ela tentou atravessar a rua, foi barrada pelo fluxo de carros, uma moto a interrompeu não teve o que fazer, ela ficou e eu segui.


¹ Zarina = Mulher de ouro

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Caminhos Abertos

Sempre tive  receio em criar paginas sobre mim para mim, sobre o trabalho que faço com a literatura, participo de coletivos à quase dez anos e acreditava que isso era suficiente, falar de mim e do coletivo são duas coisas distintas, coletivo agrega outras pessoas, muitos pensamentos e mesmo um complementando o outro o ser individuo é muito complexo pra se sustentar somente num coletivo, a duras penas aprendi isso, aos trancos, bem aos trancos compreendi que tinha que cuidar de meu trabalho com mais carinho.
E justamente agora que o blog caiu em desuso eu decidi montar um, talvez seja isso pela minha natureza de rejeitar tudo que é muito moda, sou assim até com roupa, depois que a moda passa eu decido usar o tênis, a blusa e por aí vai.

Eu não poderia deixar de "estrear" esse blog sem essa poesia que foi durante anos muito importante na minha trajetória literária é uma poesia com ar inocente, uma poesia sem pretensões, lembro que fiz ela ouvindo o grupo de rap Consciência Humana daí vem todo meu carinho por ela.



MÃE ÁFRICA

Quando meus pés cansarem
E a minha voz embargar
Chora mãe África, chora,
Já estou chegando lá

Se todos me abandonarem
Desistindo de caminhar
Coragem mãe África, coragem,
Força você me dará

E se algum de nós
Com o inimigo se juntar
Chora mãe África, chora,
É mais um filho que irás deserdar

Se mais uma vez
Aquele portão de ferro se fechar
Peço força mãe África, força,
É mais um irmão que o sistema vai trancar

Quando mais uma noite fria
Um dos teus filhos passar
Confia mãe África, confia,
No próximo inverno ele não estará mais lá

E quando a nossa nação
Dar as mãos e parar de duvidar
Alegre-se mãe África, alegre-se,
Nossa bandeira irá se levantar.