Ela era por si só uma joia, pura
e bruta, entrou no ônibus, deixando tudo da bolsa cair, não, ninguém a empurrou,
era um tanto desajeitada, uma senhora ajudou pegar tudo que havia caído no chão
do ônibus, ela de fone, num risinho sarcástico como quem diz “eu não aprendo”. No fone, soava alto e
gritante um som que quase todo mundo conseguia ouvir de tão alto, estava
ouvindo H.Aço - DMN e enquanto catava seus pertences do chão, cantarolava o
refrão e todos olhavam, uns riam, outros achavam que era apenas mais uma doida
que entrara no buzão. Sentou-se ao meu lado, de óculos escuros quase não da pra
saber o que e pra onde as pessoas olham mais eu consegui ver, ela olhando pela
janela num olhar vazio, perdido, tentando encontrar numa paisagem de fora algo
que fosse preencher o vazio dos seus olhos.
Ela estava inquieta, balançava os
pés, num ritmo de acelerado, se tivesse assas voaria dali, aquele ônibus estava
andando muito devagar e tinha pressa, e
a pressa dela me deixou também agoniada, ela pegava nos cabelos, enrolava,
cheirava, tocava neles como se estivesse lustrando algo fino e valioso, como
disse, era uma joia e se tratava como uma não as joias convencionais, era mais,
muito mais, tinha uma tonalidade que lembrava o bronze, eu me via nela. Aparentemente
era mulher jovem, num jeitão meio descolado e casual, dava pra sacar pelo
crachá que havia caído da bolsa que tinha um emprego nem tão ruim comparando
com os que são destinados pra pessoas como nós, conforme as musicas da sua
playlist mudavam ela cantava e a voz dela era hipnoticamente bela, não era
essas vozes brancas brandas enjoadas, era uma voz alta, firme, expressiva,
assim como ela, e ela engatou numa musica de Erykah Badu que identifiquei mais
pelo “huhumhum” do que pelo inglês esquisito que tentava, ela não se achava
interessante para o mundo, apesar do colorido da sua pele do colorido dos seus
cabelos, tudo lhe era cinza e sem graça, nunca conseguiu se encaixar na vida,
sempre cavando com as unhas seus espaços em todas as áreas e por isso a vida
lhe cansava, ela sempre quis mais, e pode ser que todo o universo com suas
astrologias tenha contribuído pra que ela fosse uma pessoa que queria sim
holofotes. Mais ela era muito orgulhosa pra admitir, tinha medo de ser mal
interpretada.
Era um furacão, pronta pra entra em ebulição e afetar tudo e
todos, isso era nítido pelo balançar apressado dos seus pés, e sentia um
aperto, um vazio, um querer pra além do entendimento de qualquer um, não tinha
muitos amigos e o pouco que tinha achava joia confusa demais pra dar
importância pra cada palavra que saia da sua boca, ninguém se dava conta que
cada palavra era uma escada pra desvendar o paraíso que ela propunha. O ônibus
parou num ponto que tinha uma arvore alta, cheia de galhos que pareciam estar
de braços abertos dançando com o soprar do vento, ela ficou olhando, e
balançava o corpo no mesmo tempo do balançar dos galhos, queria voar, queria
soar, queria ser. Eu a olhava e olhava a arvore, ambas altas, tonalidade bronze
e cabelos coloridos, foi uma mostra de sensibilidade que essa moça tinha mas
aparentava não ter, quando o ônibus deu partida continuou olhando pra arvore
num tom de despedida, e riu, novamente o riso sarcástico de como quem se
encontrou.
Coincidentemente demos sinal pra descer no mesmo ponto ela
tirou o óculos escuros, esfregou os olhos que pareciam estar marejados olhou
pra mim e foi assim que ela me confessou tudo a seu respeito, tudo que eu tinha
sentido e que ela não havia dito, falou coisas com as mãos, os pés, com o corpo
todo, mas a fala dos olhos foi mais precisa nunca vou esquecer de ouvir os
olhos de alguém, aprendi com ela, aprendi com a joia.
O ônibus parou, desci ela desceu, ela tentou atravessar a
rua, foi barrada pelo fluxo de carros, uma moto a interrompeu não teve o que
fazer, ela ficou e eu segui.
¹ Zarina = Mulher de ouro
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