quinta-feira, 15 de março de 2018

Sobre o Sol da Desigualdade







Hoje nem acordamos, ficamos em alerta porque o dia foi pesado. De manhã os noticiários retrataram a greve dos professores que se deu em repressão militar e alguns tantos feridos. Ver as cenas de professores ensanguentados, apanhando da policia foi indigesto. Fiquei aqui no meu casulo sentindo rasgar as asas, escrevi pra uma amiga professora que estava no ato, ela chegou em casa bem porem preocupada por ela e pelos demais professores que não arredam os pés das ruas.

Porém, logo em seguida, as redes me deram a noticia que Marielle Franco havia sido assassinada a tiros no estado do Rio de Janeiro depois de ter participado de uma mesa chamada “jovens negras movendo as estruturas”.
Marielle, mulher preta, de periferia, mulher que revidava as investidas do governo contra as vidas pretas. Coincidentemente, esse assassinato acontece no considerado “mês” das mulheres, pensar num mês com tantas “homenagens” e “lutas” não me estranha que uma mulher preta tenha sido brutalmente assassinada nesse período, parece um que estamos sobre aviso.
Vivemos em alerta o tempo todo, assombradas por uma legitimidade que o estado sempre teve de nos matar, e nessas horas reforço a reflexão que venho tendo a anos, enquanto nós mulheres, homens, trans, e etc, continuarmos gastando energia com preocupações superficiais como quem queimou mais sobre o sol da desigualdade, sobre quem tomba e quem fica de pé, sobre qual rótulo devemos seguir pra obter reconhecimento, as nossas continuaram sendo mortas a cada dia diante dos nosso olhos virtuais.
Eu temo que caia no esquecimento, como tantas outras caíram e ressuscitarão agora por essa fatalidade, temo que caia na ladainha da militância facebookiana, na historinha que somos por todas e lutaremos por todas. Temo mais uma ser morta pela policia, temo minha vida, a vida da minha filha, das minhas amigas, pelas vozes que não se calam. Não temo a morte, temo a forma que nos matam e nos esquecem, e não é gloria pós uma morte trágica que merecemos. Marielle, Luana, Claudia, os jovens da cabula, joquielson e tantos outros se foram, e se nós lutamos pouco por quem se vai imagine por quem fica.
O sentimento que tenho nesse momento e de impotência, e nós ainda assim, queremos viver pra almejar bons dias, tem de haver unidade nos diversos gritos espalhados pelos quatro cantos, senão continuaremos sendo dizimados nesse holocausto em que vivemos. 
O genocídio está sendo cada vez mais eficaz contra nós, morre militante, morre um muleque que mal começou a viver, morre a dona de casa, morre a lésbica, morre o universitário, todos tendo em comum a pele preta ou quase preta por assim dizer.
Eu não conheci Marielle pessoalmente, não era minha amiga, nem trocávamos figurinhas sobre a atual conjuntura política do Brasil, mesmo assim, me senti morrer, me sinto morrer toda vez que uma noticia dessa chega, e me sinto morrer conforme as coisas vão se naturalizando, ela era importante, é mais uma voz calada e devolvida ao mar de sangue que nos rodeia nesse navio negreiro que ainda nos enfiam.

Raquel Almeida

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